Após votação de urgência do projeto de lei proposto pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL/RJ) na Câmara dos Deputados, patrocinado pela presidência da Casa, regida por Arthur Lira (PP), na última quarta-feira (12), em que equipara o aborto a crimes de homicídio quando praticados depois de 22 semanas de gestação, os debates sobre o assunto tomaram corpo nacionalmente, bem como aqui em Alagoas.
A advogada e especialista em Direito de família e violência doméstica, Andrea Alfama, que integra o Escritório Welton Roberto, observa dois prismas distintos na condição em que o projeto de lei está tramitando na Câmara Federal, mas que ainda não tem data para ser votado em plenário pelos parlamentares.
“Primeiro, pelo prisma político. Hoje, a direita e a extrema-direita no Brasil não estão preocupadas com a vida das mulheres. Este grupo nefasto que participa dessa legislatura, que na minha opinião é a pior de todas que tivemos, está preocupado com a questão eleitoral deste ano. O que se quer é chegar à campanha municipal e afirmar que estão defendendo a vida. Eles não discutem o aspecto legal ou psicológico dessa legislação, se ela for aprovada. Trata-se de um proselitismo eleitoreiro”, afirmou Alfama em contato com a reportagem da Tribuna Independente.
Ela prosseguiu, abordando a tensão entre o Conselho Federal de Medicina e o governo. “Houve uma queda de braço entre o Conselho Federal de Medicina [CFM], governo federal e o STF [Supremo Tribunal Federal], especialmente focada em pautas antivacina. Com a decisão do STF que suspendeu uma resolução do Conselho que proíbe a utilização de uma técnica clínica, assistolia fetal, para interrupção de gestações acima de 22 semanas decorrentes de estupro, vejo isso como uma retaliação dessa ala mais conservadora”, opinou a advogada.
Alfama também sugeriu uma motivação eleitoral por trás das ações recentes. “Arthur Lira quer essa bancada de direita e extrema-direita votando com ele com vistas na eleição da Mesa em 2025, por isso pressionou para que esse projeto fosse votado em regime de urgência sem passar pelas comissões. Além disso, o autor do projeto, o deputado Sóstenes, declarou que deseja testar se o presidente Lula terá coragem de vetar este projeto, visando desgastar o governo”, acrescentou.
No prisma jurídico, Alfama foi contundente. “Este projeto afronta princípios constitucionais sagrados, como a dignidade da pessoa humana, e tratados de direitos internacionais dos quais o Brasil é signatário, sendo inconstitucional desde o nascimento. Se aprovado, mulheres vítimas de estupro poderiam ser acusadas de homicídio, obrigadas a levar a gravidez a termo mesmo em casos de inviabilidade de vida extrauterina ou risco à vida da mãe, o que é uma prática medieval e um retrocesso”, argumentou.
Ela destacou as implicações perversas do projeto. “Isso incentivaria a impunidade para estupradores, pois a pena para o estupro é de 6 a 8 anos, enquanto a mulher que aborta em situações extremas responderia por homicídio. Esse projeto é um retrocesso em todos os sentidos. A questão não pode ser dissociada da política, é uma caixa de Pandora que, uma vez aberta, não se esgota. A maioria das vítimas de estupro são meninas e mulheres violentadas dentro de casa, muitas vezes descobrindo a gravidez tardiamente. Obrigar essas vítimas a prosseguir com a gravidez é uma violência sem precedentes”, concluiu.