O encontro teve o objetivo de coletar informações preliminares para elaborar um plano de ação conjunto entre os órgãos públicos, sob mediação do MPF. Segundo a Procuradora Roberta Bomfim , “embora ainda não haja um diagnóstico estabelecido sobre a relação direta entre as atividades das pescadoras e os problemas de saúde reportados, como doenças ginecológicas e casos de câncer, envolvendo perda de órgãos precocemente, em alguns casos, a gravidade da situação não pode ser ignorada. Assim, o objetivo é reunir dados para orientar ações eficazes”, ressaltou a procuradora.
Apesar dos serviços de saúde prestados regularmente pela prefeitura, conforme assegurou a secretária Aurélia Silvério, a barreira da inibição na realização de exames, principalmente os preventivos, por parte das trabalhadoras ainda é um desafio que requer medidas de sensibilização, atenção e acolhimento. “Em muitos casos, as consultas detectam os problemas de saúde, mas de forma isolada, porque a paciente deixa de informar a sua atividade como marisqueira ou pescadora, dificultando a criação de estatísticas epidemiológicas precisas. Em outros casos, ainda há inibição de realizar os próprios exames de diagnóstico”, afirma a secretária municipal.
Segundo a coordenadora estadual do Cerest, é crucial abordar questões como a baixa notificação de casos e a falta de informação sobre a relação entre os sintomas e a atividade profissional das mulheres. “Precisamos levantar e organizar esses dados para orientar nossa atuação, pois se realmente houver a ligação entre o adoecimento e a atividade das pescadoras, o centro de referência terá mais possibilidades de contribuir para viabilizar as ações de tratamento e prevenção, uma vez que é a especialização do Centro a atenção à saúde do trabalhador”, pontua Elisabete Macedo.
O presidente da Colônia de Pescadores, Z-14, Bernardo Costa, destacou a possível necessidade de ampliar a atenção para um problema que pode ter um histórico ainda mais abrangente, indicando relatos sobre antigos pescadores falecidos sem diagnóstico preciso. Ele ressaltou também a dificuldade enfrentada pelas mulheres para buscar cuidados médicos, por motivos culturais.
Além disso, segundo ele, nem todas as trabalhadoras são cadastradas, mesmo que realizem a atividade durante longas horas no rio Santo Antônio, nem mesmo a colônia possui o quantitativo de mulheres trabalhando nessas condições, o que torna ainda mais difícil o mapeamento da situação.
Na reunião, Renata Amorim, assistente social representante do Centro de Referência Técnica à Saúde do Trabalhador (Cerest) de Maceió, juntamente com Nelcrileide Lima, também assistente social, destacou que o município de Barra de Santo Antônio está vinculado ao Cerest/Maceió.
Amorim enfatizou que algumas medidas já podem ser tomadas, como a capacitação inicial dos agentes de saúde para coletar informações, seguida pela capacitação dos profissionais de nível superior em um segundo momento. “Justamente porque eles já têm familiaridade com as pessoas, conhecem os lugares, e isso nos ajuda a ganhar tempo e acelerar a construção desses dados”.
Diante disso, a abordagem com a comunidade precisa levar em conta orientação e sensibilização, pois trata-se de uma comunidade em situação de vulnerabilidade social.. “Iremos participar dessa primeira roda de conversas com as mulheres, que será conduzida pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) já nesta sexta-feira (22/03), com 20, no máximo 30, para começar um diálogo e esclarecer a importância de buscar orientação, mas também procurar ajuda e contribuir para melhorar o nível de informação sobre o surgimento dessas doenças”, afirma Ana Paula de Oliveira Santos
Os pescadores especulam sobre a possibilidade de contaminação por metais pesados no rio Santo Antônio, que conta com uma Usina nas imediações, e onde, há pouco tempo, houve uma mortandade de peixes, supostamente causadas por atividade industrial. Segundo eles, essa poderia ser uma causa para o adoecimento histórico das trabalhadoras.
Hipótese, no entanto, que segundo a coordenadora de Atenção Primária à Saúde da Barra de Santo Antônio, Theresa Helena Silveira, precisa ser estudada e de coleta de evidências científicas ou relatos na literatura médica sobre casos de câncer relacionados diretamente ao contato com a água do rio.
No entanto, a coordenadora salienta a necessidade da busca de informações para o diagnóstico preciso desse problema de Saúde Pública. Representantes da comunidade, Bernardo Costa e Ana Paula Oliveira, sugeriram a integração dos pesquisadores da Ufal, como um apoio fundamental para apontar e trazer estudos que orientem o plano de ação.
Roberta Bomfim destacou a importância de um plano de ação para abordagem da situação e, eventualmente, confirmar ou refutar as suspeitas levantadas, com o objetivo de implementar medidas adequadas para resolver o problema de saúde pública. “Sabemos que nem sempre o tempo que os órgãos precisam para atender uma situação como essa é igual ao tempo que uma pessoa com o problema dispõe, mas acredito que conjugando esforços, e de posse desses dados, cada ação tomada se tornará mais efetiva, pois vamos saber que recursos técnicos, médicos e até políticos realmente iremos dispor para lidar com essa questão de saúde pública”, afirmou a integrante do MPF em Alagoas.
O MPF acompanha o caso por meio do Inquérito Civil Público 1.11.000.000162/2021-41, e já realizou audiências públicas e reuniões para tratar do assunto. A reunião da manhã desta segunda-feira estabeleceu um cronograma de atuação para viabilizar a articulação entre os órgãos envolvidos e garantir acesso ao diagnóstico e à implementação de políticas públicas de saúde para pescadoras e marisqueiras da Barra de Santo Antônio.
Uma nova reunião está agendada para 29 de abril, no município, após uma roda de conversa organizada pela Rede Mulheres Pescadoras da Costa dos Corais, conduzida pela Universidade Federal de Alagoas com participação da Secretaria de Saúde da Barra de Santo Antônio e do MPF, para dar continuidade ao processo de investigação e elaboração do plano de ação.