“É da favela? Não, nega Juju / Nasceu num rancho da terra do sururu / Quadris roliços, o cabelo atrapalhado / Quem vê diz que traz feitiço no olhar apimentado / Cavando a vida no Canal do Mundaú / Pesca caboclo, maçunim e sururu / Em Bebedouro, no Farol, na Ponta Grossa / Com o sururu da nega a folia é nossa / Não há petróleo, não há porto, não há nada / O bom problema é o sururu lá na Levada”.
As rimas acima são o ponto alto do sururu na cultura alagoana. A letra é de 1934, quando Aristóbulo Cardoso e Pedro Nunes lançaram o frevo “Sururu da Nega”, um sucesso estrondoso que permaneceu como hino do carnaval alagoano por décadas. Cantado em verso e prosa, o sururu é para muitas famílias em Alagoas o pão à mesa, o alimento que sacia. No entanto, viver da cata do molusco na Laguna Mundaú, em Maceió, onde o sururu se mistura à paisagem alagoana não está fácil.
Catadores chegam a mergulhar até cinco metros de profundidade e trabalham quase 15 horas por dia entre a cata e o cozimento do alimento. Cada quilo é comercializado de 35 a 40 reais. Dependendo da oferta e da demanda, pode chegar a R$ 70.
O período de inverno não favorece muito. Naturalmente, o sururu fica mais escasso. As chuvas diminuem a salinidade da água. Com os sedimentos vindos dos rios, o sururu fica sem oxigênio, sem alimento e morre.
Setenta por cento das pessoas que trabalham com o alimento são mulheres. A presidente da Federação de Pescadores de Alagoas (Fepeal), Maria dos Santos, afirmou que a entidade trabalha com uma estimativa de aproximadamente sete mil mulheres que sobrevivem como marisqueiras e pescadoras no complexo lagunar.
“Não temos o número exato de quantas pessoas vivem exclusivamente do sururu porque estamos fazendo um recadastramento no banco de dados do governo federal junto ao Ministério da Pesca, estamos consolidando esse número”, afirma.
O pescado do sururu representa 100% da renda da comunidade lagunar. A maioria não tem escolaridade ou experiência em qualquer outra área de trabalho, o que dificulta a inserção em outros empregos.
O sururu é um dos ícones da identidade alagoana, sendo referência na culinária do Estado. Em 2014, o molusco foi aprovado por unanimidade pelo Conselho Estadual da Cultura como Patrimônio Imaterial de Alagoas. A Laguna Mundaú banha Maceió, Coqueiro Seco e Santa Luzia do Norte.
Historicamente, a pesca do sururu é fonte de renda para muitas famílias e pescadores, principalmente na Laguna Mundaú. Há tempos, o alimento ultrapassou os limites da mesa e da cozinha e chegou ao cenário cultural e musical, batizando mostras de arte e de música em todo o Estado.
O processo do sururu, desde o momento de pesca até a venda, é composto por muitas etapas. A primeira delas é a lavagem, depois a separação e o cozimento para a abertura das conchas. Depois de cozidos, o sururu e as conchas vão para a peneira para serem separados e preparados para a venda.
Para o sururu crescer e se desenvolver, o teor de salinidade das águas não pode ser muito doce, mas também não deve ser muito salgado.
O professor do Instituto de Química e Biotecnologia (IQB) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Josué Carinhanha Caldas Santos, explicou que o sumiço do sururu não é algo pontual, nem atual. “Em um histórico recente, isso já vem sendo reportado pelos pescadores há alguns anos”.
Segundo o pesquisador, as prováveis causas estão associadas ao processo de assoreamento da laguna, algo que acontece há muitos anos. “Para termos uma ideia, alguns locais na laguna tinham profundidade aproximada de oito, dez metros. Atualmente, essas áreas têm profundidade da ordem de dois metros. Associado a isso, temos um processo constante de contaminação ambiental, sobretudo esgoto urbano, alguns pontos são notoriamente vistos com facilidade naquela área, isso evidentemente vai levar a variações em parâmetros químicos e físico-químicos e biológicos da qualidade da água. E também relacionada à redução dos nutrientes, principalmente fitoplâncton, que são uma fonte de alimento do sururu”, detalhou o professor, que possui graduação em Licenciatura em Química pela Universidade do Estado da Bahia, mestrado e doutorado em Química Analítica pela Universidade Federal da Bahia com período na Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, em Portugal.
Aliado a isso, completou Josué Carinhanha, nos últimos anos foi reportado o aparecimento de outra espécie, que foi denominada como espécie invasora e que comumente é reportada pelos pescadores como sururu branco.
“Ele não tem as mesmas propriedades organoléticas em relação a sabor, o que infelizmente impede o consumo, e também a casca dele é mais frágil, o que até atrapalha, caso o sabor fosse adequado, a comercialização”.
De acordo com Josué Carinhanha, o mercado interno é ávido por essa iguaria. “O sururu é um Patrimônio Imaterial do Estado de Alagoas e por conseguinte ele está na própria cultura do alagoano e do turista que visita o Estado. Dessa forma, existe uma demanda local, sobretudo vinculada ao turismo, em restaurantes e em outros centros gastronômicos”, considerou.
Na avaliação de Josué Carinhanha, a solução gira em torno de pensar na laguna como um sistema dinâmico. “As ações não podem ser pontuais. Elas têm que ser locais, políticas, organizadas e ordenadas. Então, precisa existir um plano continuado para restaurar e reestruturar toda a capacidade da laguna em relação a seu potencial de produção. Tem que se pensar em redução ou eliminação de lançamento de esgoto naquele sistema. Precisa de um programa de reestruturação em relação ao desassoreamento da laguna, um programa continuado de monitoramento ambiental para avaliar como esses parâmetros estão relacionados e, evidentemente, ver esses estudos relacionados. Essa espécie invasora, para que ela não torne inviável o crescimento do sururu nativo. Então é um conjunto de tarefas e de ações que precisam ser colocadas em prática. Os órgãos públicos, evidentemente, que têm que ter um papel fundamental nesse processo. Tem que ser um programa vinculado de forma sustentável e continuada”, salientou.
Josué Carinhanha atuou na divisão de Química Analítica da Sociedade Brasileira de Química (SBQ) como tesoureiro, vice-diretor e diretor e coordena o Laboratório de Instrumentação e Desenvolvimento em Química Analítica (LINQA).