Na última quarta-feira (9), os pesquisadores do IPCI Maceió, Clair Júnior e Juliana Barretto e as coordenadoras Josemary Ferrare e Adriana Guimarães apresentaram as ações desenvolvidas pelo projeto e os resultados preliminares do trabalho que está sendo realizado desde fevereiro deste ano. A exposição foi feita para o reitor da Ufal, Josealdo Tonholo, para membros do Ministério Público Federal (MPF), a procuradora-chefe Roberta Lima Bonfim e a procuradora da República Júlia Wanderley Cadete, e para o Ministério Público de Alagoas (MPAL), mais especificamente para o grupo que compõe a força-tarefa do Caso Braskem, formado pelos promotores de Justiça Maurício Pitta, José Antônio Malta Marques, Jorge Doria, coordenador, e Max Martins. O promotor de Justiça Givaldo Lessa não compõe a força-tarefa, mas também foi convidado para participar da reunião.
Também marcaram presença no gabinete do reitor, o diretor do Campus de Engenharias e Ciências Agrárias, Gaus Silvestre, e a pró-reitora Iraildes Assunção. Pela Fundepes, gestora do projeto, estiveram o diretor-presidente Edson Bento e a diretora vice-presidente Taciana Melo.
A partir da finalização do trabalho de campo feito por 21 agentes comunitários de pesquisa, em sua maioria ex-moradores dos bairros afetados pela mineração de sal-gema, foi possível construir a cartografia social do IPCI Maceió. Essa ferramenta foi desenvolvida com a participação dos próprios agentes pesquisadores, que mapearam os significados e as relações que as comunidades tinham com seus espaços de convivência, cada um usando os próprios conhecimentos das pessoas que viveram nos bairros e, hoje, não estão mais por lá, ou seja, uma forma de dar voz e visibilidade às experiências e às histórias das famílias que tiveram de deixar suas casas, seus espaços coletivos.
O reitor destacou a importância do trabalho realizado pela equipe do IPCI Maceió. “Esta é uma pauta extremamente relevante, porque está relacionada ao ser humano, ao patrimônio histórico e cultural envolvido nesse processo todo de perdas. Acho que é um privilégio muito grande termos esse produto. Eu queria mais uma vez agradecer a vocês por esse momento todo especial e agradecer o nosso time do IPCI e à parceria do MPF e do MPAL”, disse, durante a reunião.
A procuradora-chefe Roberta Bonfim afirmou que foi e está sendo muito importante contar com a colaboração da Ufal neste projeto do inventário participativo. “Acho que está muito clara a preocupação do Ministério Público Federal com a preservação da cultura, com a preservação da memória, desde o acordo socioambiental firmado lá em dezembro de 2020, com o doutor Jorge [Doria], a Promotoria de Urbanismo, fazendo a intervenção nesse acordo celebrado. A gente teve a grata surpresa de contar com a colaboração da Universidade Federal de Alagoas para esse inventário. Acho que a presença da Universidade desenvolvendo esse projeto traz credibilidade ao tema, às discussões, afasta alguns questionamentos que foram postos ao longo desses anos. Acho que ninguém melhor que a Universidade, que tem profissionais capacitados de várias áreas, para tocar esse projeto”, ressaltou.
E revela: “Para nós é, realmente, uma grande felicidade. Acho que é um passo a mais que a gente dá na concretização de tanto trabalho, que muitas vezes é tão ignorado, mas que a gente consegue hoje ver tornando concreto para que a gente entregue à sociedade esse recorte.”
O historiador Clair Júnior agradeceu a confiança no trabalho da equipe do IPCI Maceió, mas também falou dos desafios enfrentados até conquistar a confiança dos antigos moradores, fazedores de cultura, e dos próprios agentes que fizeram o levantamento das informações até chegar à confecção da cartografia social. “Fomos muito questionados sobre o que iríamos fazer com as informações colhidas, se íamos entregar para a Braskem. Foi muito difícil no começo, mas conseguimos a confiança das pessoas porque trabalhamos com muita transparência. Tudo o que a gente vai publicar, tudo o que a gente vai produzir, tudo o que a gente vai pensar, buscamos ser o mais transparente possível para que a comunidade acompanhe. Uma das nossas estratégias foi exatamente usar as redes sociais e optamos por trabalhar com o Instagram, com uma linguagem simples, acessível para qualquer idade, qualquer pessoa que tenha conhecimento de todo o processo. Inclusive, não só o processo do projeto, mas entender o que é a política de patrimônio cultural. Quais são as características, quais são as categorias, como que se trabalha isso, quais as estratégias, as metodologias, isso de uma forma que a gente foi construindo, para desconstruir todos os ruídos e fake news que vem acontecendo desde o nosso início do processo.
No início dos trabalhos, Clair conta que os pesquisadores descobriram o filho de um mestre de guerreiro, que estava tentando, por iniciativa própria, ver se juntava pessoas para fazer o que o pai dele já fez. “E ele disse para nós que não podia viver sem o Guerreiro. Tentou reunir pessoas na Chã de Bebedouro. Isso foi antes até de a gente começar nosso trabalho. Ele tinha como foco transmitir a tradição do Guerreiro. Isso é lindo de ver. É um processo de resiliência, de transmissão de saberes; não é uma prática formal que a pessoa senta na frente da outra e fica ouvindo o que é a memória. O processo de transmissão, principalmente no aspecto da cultura popular e tradicional, se dá no dia a dia. É a senhora fazendo a comida e cantando uma música que faz parte do repertório de seu grupo. É alguém olhar para uma foto e falar assim: olha, você lembra daquela foto lá? E, aí, rememorar todo esse processo”, lembra.
Sobre os resultados obtidos até agora, Clair avisa que já está em formatação um termo de cooperação entre a Ufal e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). “A gente está fazendo um projeto para o uso dessa base de dados. Respondendo mais objetivamente, o município e o estado colaboraram muito pouco, porque o banco de dados deles estava desatualizado. Basicamente nós tínhamos as informações que os dois entes detinham. Então, nós percebemos que o que está sendo feito, esse inventário, ele é realmente inédito. Não existe tantas informações como nós conseguimos em nenhum outro banco de dados", comentou.
A procuradora-chefe destaca a necessidade de que os resultados obtidos estejam muito bem conectados. "Os achados do IPCI vão se unir com as outras medidas que estão dentro do eixo de cultura do PAS [Plano de Ações Sociais], nessa perspectiva de compensação social”, reforçou.
Roberta Bonfim enfatiza que essa é mais uma prova de que quem causou o dano tem que arcar com os recursos financeiros para o desenvolvimento de projetos como esse. “A gente ainda fica muito perplexo quando vemos algumas reações dentro da própria Universidade para sabotar, usando uma palavra simples, um trabalho de fôlego desse, um trabalho que é importantíssimo! Então, o que a gente sente, e isso já foi mencionado antes, é que as pessoas querem que as coisas aconteçam, mas não querem ajudar para que elas, de fato, se concretizem”, completou.
Conduzido pela Ufal, por meio da Fundação Universitária de Desenvolvimento de Extensão e Pesquisa (Fundepes), o IPCI Maceió busca cumprir as condições estabelecidas no acordo socioambiental feito entre a Braskem, o Ministério Público Federal e o Ministério Público de Alagoas. Vale relembrar que o acordo foi firmado em resposta aos impactos da catástrofe tecnológica e ao iminente risco de afundamento da região afetada pelas atividades de mineração, o que resultou no processo de desocupação dos cinco bairros da capital alagoana.
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